quarta-feira, 10 de janeiro de 2018

Gosick - Prólogo

Solte as lebres!


"Ela correu pelo campo, e, felizmente, chegou a tempo de vê-lo sair de uma enorme toca de coelho e passar por debaixo da cerca.

Logo depois, saiu Alice. Nunca antes havia considerado como ela poderia voltar ao mundo novamente."


Lewis Carroll, "Alice no País das Maravilhas"



Um grande objeto passou perto.

Um cachorro, pensou a criança. Um cão preto, da cor da noite, misturando-se ao crepúsculo. Um cão de caça. O cabelo preto brilhante cobria a cabeça, e seus dois olhos tremeram na escuridão, ardendo como uma chama azul.

A criança deixou a floresta escura e caminhou por uma estrada rural. Era muito tarde para seguir com sua missão. Ele desejou poder voltar para sua casa quente e sentar-se junto ao fogo. Mas assim que ele pisou o jardim da mansão em busca de um atalho, ele encontrou o cão de caça.

A criança instintivamente recuou vários passos.

Ele ouviu um som suave.

Uma sensação estranha correu pela parte de trás da perna. Ele entrou em um pequeno arbusto, e sentiu uma poça de líquido quente escorrendo. Quando ele olhou para baixo, viu pedaços de carne encharcados, espalhados por seus pés. Carne vermelha e pedaços de peles que escorriam gotas de sangue. Ele espiou e viu uma longa orelha que se estendia de um pedaço de carne e estava escondida embaixo, um olho redondo que parecia um mármore. Aquilo refletia a escuridão do céu noturno e se estendia noite a fora.

...Era uma lebre, pensou.

Ele ergueu a cabeça e viu um fluxo de sangue fresco escorrendo do focinho fechado do caçador.

Este é o cão de caça, que matou e comeu a lebre!

As mãos da criança ficaram molhadas, perdendo o controle sobre uma garrafa de vinho, que caiu lentamente no chão e quebrou em pedaços. O líquido vermelho escuro percorreu a cabeça do tal cão de caça.

Sua língua serpenteava em sua boca para lamber o fluido.

O som do trovão repentinamente reverberou no céu.

Um flash branco de luz iluminou a mansão remota, um lugar decrépito desde então abandonado. Mas agora uma figura desconhecida estava sentada em seu terraço.

A criança abriu os olhos.

A figura, coberta com um pano de linho vermelho, estava sentada em uma cadeira de rodas. Apenas uma cavidade escura era visível através de um espaço no pano vermelho onde devia ser a cabeça. Uma mão enrugada esticada saia de dentro, tão fina como o ramo de uma árvore murchada, tão insubstancial que não poderia possivelmente pertencer a um ser humano vivo.

Aquela mão agarrou um espelho dourado tão forte e tremia violentamente...

Três panelas de prata, cobre e vidro foram colocadas nas proximidades, brilhando espantosamente pela noite.

Então, uma voz roca e enrugada pronunciou as palavras:

"Um jovem em breve morrerá...".

A criança suspirou bruscamente ao som da voz da velha. Ele sentiu-se aterrorizado, como se suas palavras incomuns fossem destinadas a se tornar realidade.

A voz continuou:

"Esta morte será o começo de tudo. A terra cairá como uma pedra em queda ".

As vozes reunidas de muitos homens vieram do terraço que, por todas as razões, deveria estar deserto. A criança entrecerrou os olhos com surpresa quando o terraço estava iluminado com o simultâneo bramido do trovão, depois mais uma vez afundou na escuridão.

"O que deve ser feito?"

"O que você nos fará?"

"Lady Roxane!"

"...Uma caixa."

A voz da velha falou novamente.

"Prepare uma caixa excelente, muito maior do que o tamanho deste jardim. Deixe-o flutuar sobre a superfície do mar. E depois..."

Vários aplausos trovejaram um após o outro.

O terraço e o jardim cintilavam em meio a um flash de luz branco.

A criança caiu instantaneamente no chão, soltou um grito agarrando-se na garganta ao ver o que estava iluminado naquela luz.

A velha de vermelho sentou-se no terraço, com um grupo de outras figuras que a rodeavam. Os homens, vestidos com suas capas brancas, esticavam as mãos, procurando por fantasmas errantes.

E no jardim...

O jardim estava estampado com pedaços avermelhados. Pelo menos dez lebres estavam tentando freneticamente fugir, e o cão de caça de mais cedo estava se lançando atrás delas, dilacerando-os com a mandíbula. Inúmeros pedaços de carne caíram no chão, manchando-o em aglomerados de sangue.

Um tempo depois, os trovões e os relâmpagos cessaram, novamente afundando a mansão e o jardim na escuridão.

Tudo estava em silêncio.

Por fim, a voz da velha ecoou do terraço.

"E então... solte as lebres!"

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